A aposta
O Amor só convém aos capazes de suportar essa sobrecarga psíquica. É como tentar atravessar um caudal cheio de mijo com um caixote de lixo às costas.
Charles Bukowski, As Mulheres
Vejo-me enclausurado. Tudo que tenho à frente são obstáculos, entraves, paredes de betão, que me prendem neste bunker. Observo-me perdido. Procuro saídas deste labirinto, mas os caminhos que percorro vêm dar aqui. E como odeio estar aqui. Como anseio por ar puro, por água translúcida, por ver o que tenho à minha frente.
Paredes fétidas acariciam-me a pele. Tento escapar, mas o lodo viscoso que me cresce nas mãos não me deixa agarrar-me. A humidade aumenta. Pequenas gotas escorrem lentamente, dançam ritos negros na minha barriga. Já são esgotos que me substituem os sapatos. Mesclas de sólidos e líquidos que outrora já foram de dentro de nós passeiam-se por entre os meus pés. Um líquido amarelo nada não sabe para onde. Esta pestilência ganhou vida. Entra para dentro de mim, e faz dos meus pulmões, sala de estar. Lá beberica de uma chávena com a Morte. E que belo par que fazem. Não conversam. Sabem que já está tudo dito, tudo feito.
Rio-me. Que ridículo. Olha para mim, ajoelhado, face contra os joelhos, a lacrimejar lodo, visco, ranho. Que figura patética. “Coitado” sussurra a multidão. “Será que ele aguenta?”, dispara a vizinha do lado, que deixou o estrugido no lume a queimar. Ai como ardo. O meu fígado é fogueira, a cerveja que bebo lenha. Não paro, recuso-me a desistir. Quero desaparecer! “5 Euros em como ele não aguenta mais cinco minutos!”, cospe o clone da esquerda. “Dez em como o espectáculo dura mais dez minutos”, vomito, só para ganhar mais dinheiro. Arrasto-me, pelo sangue. É óptimo! Rebolo, mergulho, engulo esta mistela para me aguentar mais oito minutos. Só mais 400 segundos e vais ver. Desta vez hei-de ganhar. Não me levas a melhor. Sento-me à mesa com eles. Peço mais 3 minutos. Só isso. Mais nada. Urinam-me em cima de mim. O líquido amarelo entra no sangue. Beija a ferida, acariciando-a lentamente, faz amor com ela. Penetra nela, lentamente, docemente. Vem-se para dentro de mim. Sinto-o percorrer pelas artérias, veias, músculos, ossos. Arrasta-se lentamente delimitando os caminhos por onde rasteja. Já não me pertenço. Regozijo-me de prazer.
Mais um minuto. Vou rir-me na cara deles. Espezinharam-me, pontapearam-me, escamotearam-me toda a vida. Mas estes dez euros são meus. Pelejo como se a minha vida dependesse disso. É desta. 20 segundos. Vejo um esboço a desenhar-se na no meio da cara. “Ele está a rir!” atiram de lá dó fundo. 5, 4, 3
Aplaudi a morte dele. Todos batemos palmas. Foi um espectáculo formidável. Mas já está na hora de levar os miúdos para casa. Eles não deviam focar acordados até tão tarde. Até porque eles amanhã têm escola.
Charles Bukowski, As Mulheres
Vejo-me enclausurado. Tudo que tenho à frente são obstáculos, entraves, paredes de betão, que me prendem neste bunker. Observo-me perdido. Procuro saídas deste labirinto, mas os caminhos que percorro vêm dar aqui. E como odeio estar aqui. Como anseio por ar puro, por água translúcida, por ver o que tenho à minha frente.
Paredes fétidas acariciam-me a pele. Tento escapar, mas o lodo viscoso que me cresce nas mãos não me deixa agarrar-me. A humidade aumenta. Pequenas gotas escorrem lentamente, dançam ritos negros na minha barriga. Já são esgotos que me substituem os sapatos. Mesclas de sólidos e líquidos que outrora já foram de dentro de nós passeiam-se por entre os meus pés. Um líquido amarelo nada não sabe para onde. Esta pestilência ganhou vida. Entra para dentro de mim, e faz dos meus pulmões, sala de estar. Lá beberica de uma chávena com a Morte. E que belo par que fazem. Não conversam. Sabem que já está tudo dito, tudo feito.
Rio-me. Que ridículo. Olha para mim, ajoelhado, face contra os joelhos, a lacrimejar lodo, visco, ranho. Que figura patética. “Coitado” sussurra a multidão. “Será que ele aguenta?”, dispara a vizinha do lado, que deixou o estrugido no lume a queimar. Ai como ardo. O meu fígado é fogueira, a cerveja que bebo lenha. Não paro, recuso-me a desistir. Quero desaparecer! “5 Euros em como ele não aguenta mais cinco minutos!”, cospe o clone da esquerda. “Dez em como o espectáculo dura mais dez minutos”, vomito, só para ganhar mais dinheiro. Arrasto-me, pelo sangue. É óptimo! Rebolo, mergulho, engulo esta mistela para me aguentar mais oito minutos. Só mais 400 segundos e vais ver. Desta vez hei-de ganhar. Não me levas a melhor. Sento-me à mesa com eles. Peço mais 3 minutos. Só isso. Mais nada. Urinam-me em cima de mim. O líquido amarelo entra no sangue. Beija a ferida, acariciando-a lentamente, faz amor com ela. Penetra nela, lentamente, docemente. Vem-se para dentro de mim. Sinto-o percorrer pelas artérias, veias, músculos, ossos. Arrasta-se lentamente delimitando os caminhos por onde rasteja. Já não me pertenço. Regozijo-me de prazer.
Mais um minuto. Vou rir-me na cara deles. Espezinharam-me, pontapearam-me, escamotearam-me toda a vida. Mas estes dez euros são meus. Pelejo como se a minha vida dependesse disso. É desta. 20 segundos. Vejo um esboço a desenhar-se na no meio da cara. “Ele está a rir!” atiram de lá dó fundo. 5, 4, 3
Aplaudi a morte dele. Todos batemos palmas. Foi um espectáculo formidável. Mas já está na hora de levar os miúdos para casa. Eles não deviam focar acordados até tão tarde. Até porque eles amanhã têm escola.
escrito por Anónimo a 2:44 da tarde
3 Pós e Contas:
Mas que grande confusão! O texto causou-me náuseas...no bom sentido.
Pela descrição e minúcia, parabéns. Pelo resto, ainda estou a pensar.
Até sábado!;)
xxRita
8/9/05 19:24
Trata-se de um livro brilhante, este de Charles Bukowski. Li-o já há uns largos meses e foi uma agradável surpresa reencontrar um excerto de Mulheres. Emprestei-o não sei bem a quem e até hoje não mo devolveram... fico à espera. Diálogos nus, crus, brutos e autênticos povoam esta história de um poeta nos seus cinquenta e poucos anos, gordo, alcoólico e sujo mas que reencontra nessa fase da vida uma sexualidade completa. De selvagem a terna, de prostituas a lolitas, é um livro de amor, solidão e poesia. Gostaria de me recordar da citação que está logo no início do livro mas não consigo...
9/9/05 02:24
Esqueci-me de dizer...o texto (o teu, não o excerto do Bukowski - livro que amiúde referes agora com gestos expressivos e ilustradores) não deixa muito claro o sentido...queres iluminar-me?
A Gerência agradeceria muito, Hélder!;)
xxRita
12/9/05 02:34
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