Questões Semânticas
Poderia subscrever sem quaisquer reservas este post do RAF, não fosse um pequeno pormenor semântico que me causou uma reacção cutânea imediata: "ganhar a batalha cultural com o Islão". As palavras têm o significado que têm, mas ganham um outro peso em determinados contextos. E neste caso a utilização de uma imagem como "ganhar a batalha" parece-me um pouco excessivo no seu belicismo.
Quando se ganha uma batalha fica demonstrada a superioridade do vencedor. Não creio que em matéria de fé [do foro privado de cada individuo, mas acima de tudo uma matéria indemonstrável] possamos discutir essas superioridades. É de facto imperativo que o Islão mude, que saia da "idade das trevas", é necessário que ao Ocidente cheguem imagens e noticias das leituras do Islão moderado [que é -ainda - maioritário], é um imperativo que as linhas editoriais da comunicação social não dêem apenas destaque ao Islamismo fundamentalista [com origem no Médio Oriente - e é aí que reside o principal problema. Porque "islâmico", "Médio Oriente" e "árabe" não são sinónimos].
«I think ignorance played a big role. There was an hostility that prevent what I would call the normal exchange between cultures. [...] in the Western press, the things you read about Islam and the Arab world are really horrendously simplified and completely belie the two or three hundred years of close contact between Europeans and to some degree Americans on the one hand and Arabs and Muslims on other. It's as if they've always been standing on opposite sides of some immense ditch and all they do is throw rotten food at each other.» - Edward W. Said interviewed by Eleanor Wachtel, 1996 - in Power, Politic and Culture interviews with Edward W. Said [Bloomsbury - 2005]
Quando se ganha uma batalha fica demonstrada a superioridade do vencedor. Não creio que em matéria de fé [do foro privado de cada individuo, mas acima de tudo uma matéria indemonstrável] possamos discutir essas superioridades. É de facto imperativo que o Islão mude, que saia da "idade das trevas", é necessário que ao Ocidente cheguem imagens e noticias das leituras do Islão moderado [que é -ainda - maioritário], é um imperativo que as linhas editoriais da comunicação social não dêem apenas destaque ao Islamismo fundamentalista [com origem no Médio Oriente - e é aí que reside o principal problema. Porque "islâmico", "Médio Oriente" e "árabe" não são sinónimos].
«I think ignorance played a big role. There was an hostility that prevent what I would call the normal exchange between cultures. [...] in the Western press, the things you read about Islam and the Arab world are really horrendously simplified and completely belie the two or three hundred years of close contact between Europeans and to some degree Americans on the one hand and Arabs and Muslims on other. It's as if they've always been standing on opposite sides of some immense ditch and all they do is throw rotten food at each other.» - Edward W. Said interviewed by Eleanor Wachtel, 1996 - in Power, Politic and Culture interviews with Edward W. Said [Bloomsbury - 2005]
escrito por aL a 2:22 da manhã
12 Pós e Contas:
Subscrevo;)
Obrigado pelas tuas referências e leituras sempre atentas.
7/2/06 01:01
a guerra santa sempre existiu...e sempre se matou por deus...mas afinal que deus é este que eles seguem?
7/2/06 01:06
Concordo com o desconhecimento que muitas vezes as pessoas no Ocidente, os media e os actores da política em particular, revelam em relação ao mundo islâmico, de que o exemplo mais grosseiro é a identificação entre árabes e muçulmanos, como se fossem uma e a mesma coisa.
È claro que os equívocos abundam e são muito mais subtis.
Já Edward Said dizia, no Orientalismo (obra densa), que Oriente é também uma construção social. O Ocidente está de certa forma prisioneiro de imaginários que radicam na literatura, nos diários de viagens ou na “expedição” do orientalista que detém o poder simbólico de tornar o Oriente conhecido.
Eu estou imerso em dúvidas e angústias. No caso concreto das caricaturas, que inflama as consciências, vejo-o como inscrito, em primeiro lugar, na liberdade de expressão.
Gostaria de ser optimista, como tu, e acreditar que os moderados estão em maioria neste Islão contemporâneo; mas acho que não temos os meios de o aferir. As comunidades muçulmanas têm dado provas de radicalismo na Europa, e não parece que tal seja obra de uma minoria de irredutíveis. Já no Médio Oriente, nas raras ocasiões em que houve eleições livres, os islamistas obtiveram resultados formidáveis.
7/2/06 01:07
Desculpa Luis mas não posso estar mais em desacordo com o que afirmas sobre a "grandeza" das minorias radicais. Os radicais são de facto uma minoria [pensa na indonésia, o maior país mulçumano, em que os manifestantes se reduziram a centenas, e é um regime em trasição para a democracia]! O radicalismo mulçumano europeu é minoritário [ainda]!!! volto a afirmar, há um grave problema de enfoque na comunicação social. é interessante mas há uns meses atrás esteve em portugal uma cia de teatro iraniana com um espectáculo bastante "ocidentalizado", no entanto a cia trabalha numa cidadezinha longe de Teerão; o filho do último xá da pérsia, constituiu um partido politico que tem vindo a ganhar muito lentamente alguma simpatia por parte os iranianos, alguma noticia sobre estes 2 factos, não! apenas o presidente iraniano em loop constante ameaçando riscar Israel do mapa... assim não vamos lá... relembro esta entrevista de Fareed Zakaria a propósito do fundamentalismo islâmico na europa...
7/2/06 02:04
Alaíde,
Tens alguma razão quanto ao caso da Indonésia. De facto, os islamistas, aparentemente, ainda não são uma força expressiva . Existem outras formações políticas hegemónicas nesse espaço, profundamente conservadoras mas cuja acção política não se confunde com o irredentismo islamista.
Agora, lembro-te que esse Islão é tudo menos moderado; foram os generais muçulmanos que, num golpe militar sangrento, puseram fim ao regime de Sukarno, próximo da democracia.
Por outro lado, nesse imenso país, existem movimentos nacionalistas que preenchem um espaço que de outra forma poderia ser ocupado pelos extremistas religiosos.
Sobre o Irão, a história é outra. A sociedade iraniana tem raízes seculares (em parte herança do último Xá) que o regime tem dificuldade em abafar. É visível isso na cultura, no cinema ou na música. Também eu tive a oportunidade de ver um concerto da Sussan Deyhim, uma artista contemporânea que é a um tempo tradicional e cosmopolita, acima de tudo profundamente urbana.
Eu procuro não ter uma visão redutora de mundo islâmico, não obstante olhar da comunicação social, o maniqueísmo que grassa(nesse ponto, estou inteiramente de acordo).
Mas a minha impressão é a de que os islamista são uma força em franco crescimento e que cada vez mais monopolizam o discurso do religioso.
E sabemos bem que há momentos na História em que os extremistas se tornam maioritários e os moderados minorias isoladas.
7/2/06 16:52
« Também eu tive a oportunidade de ver um concerto da Sussan Deyhim, uma artista contemporânea que é a um tempo tradicional e cosmopolita, acima de tudo profundamente urbana. » sim meu caro, uma artista que vive e trabalha em nova iorque! que portanto poderá viver a fé [se a tiver] de forma diferente. o caso a que eu me reportava é um caso de uma cia. iraniana perdida no interior do irão. mas sim tens razão, o irão fundamentalista só existe a partir de 79, até então era um regime relativamente moderado.
7/2/06 17:09
os moderados têm medo de falar. são ameaçados de morte. a reforma do islão, tão necessária, estará ainda longe apesar de alguns sinais.
abraço
7/2/06 17:50
À primeira vista, o exemplo da Sussan pode parecer um pouco deslocado pois, como bem disseste, ela vive há muito Ocidente. No entanto, o cosmopolitismo de que falava, e que se reflecte na sua música, viveu-o desde muito cedo no Irão; os pais eram pessoas ligadas ao mundo da arte e o ambiente era de grande abertura ao mundo. Mas, além do exemplo da Sussan, referi também o cinema iraniano.
Bem, a monarquia do Xá só era “moderada” nos costumes, em tudo o mais era uma feroz ditadura.
7/2/06 21:57
«a monarquia do Xá só era “moderada” nos costumes, em tudo o mais era uma feroz ditadura.» sabes que eu estive para escrever "ditadura moderada" e obviamente que de imediato percebi a contradição dos termos. mas digámos que a "moderação" de costumes é bem melhor do que a cituação actual. mas sim o irão é um mau exemplo.
e a turquia?? não poderá ser a turquia um exemplo de moderação islamica? há assim tantas diferenças entre a turquia e a russia, por exemplo???
7/2/06 22:19
"não poderá ser a turquia um exemplo de moderação islamica? há assim tantas diferenças entre a turquia e a russia, por exemplo???"
Boa pergunta. Talvez até haja mais liberdade na Turquia do que Rússia, onde a democracia nunca criou raízes. A turquia tem feito uma evolução, em matéria de liberdades cívicas, mas a laicidade ainda é muito garantida pelos militares, que exercem tutela sobre a democracia turca. E depois há os fantamas : o genocídio arménio, a questão curda e uma concepção sagrada do Estado que condiciona a liberdade de expressão.
Não depreendas dos meus posts que não acredito na Democracia ou na laicidade no mundo islâmico. Essa aspiração à democracia existe hoje como no passado (Amin Maalouf, no "Samarcanda", narra uma revolução nacional democrática na Pérsia do começo do sec xx; em 1953 um governo democraticamente eleito no Irão foi derrubado por um golpe militar apadrinhado pelo Ocidente).
Infelizmente, as forças moderadas e progressistas estão isoladas. E o Ocidente contribuiu para isso ao privilegiar despotismos e monarquias absolutas como forma de travar o islamismo. Nunca acreditou na democracia no mundo islâmico, e com isso prestou um péssimo serviço a todos os muçulmanos que lutam pela democracia nos seus países. Muitos dos que emigram para a Europa não o fazem apenas por questões económicas, mas também pelo desejo de desfrutar da liberdade que não têm no país de origem; de viver numa sociedade de livre.
Eu acredito que a democracia pode medrar no mundo islâmico, embora os meus post possam por vezes dar a entender o contrário.
8/2/06 00:23
percebo agora das inumeras gralhas que cometi no comentário anterior: portanto cá ficam as erratas:
1 onde se lê "digámos" deve ler-se "digamos"
2 onde se lê "cituação" deve ler-se "situação"
luis, quando dizes «E o Ocidente contribuiu para isso ao privilegiar despotismos e monarquias absolutas como forma de travar o islamismo.» não creio ter sido apenas uma questão de travar o islamismo, mas sim uma questão de fácil acesso ao petróleo. é obviamente mais fácil negociar com uma reduzida familia reinante do que com inumeros agentes económicos.
8/2/06 00:55
«os moderados têm medo de falar. são ameaçados de morte. a reforma do islão, tão necessária, estará ainda longe apesar de alguns sinais.» tens razão, elise, tens razão. os moderados formam uma maioria silenciosa... se pensarmos que a organica de uma sociedade que respeita as liberdades do individuo é no ocidente um fenómeno por assim dizer recente, no mundo islâmico [e onde as leituras do islão são mais ortodoxas, mais restritivas] há ainda um longo caminho a percorrer, mas isso não quer dizer que ele não possa ser percorrido...
8/2/06 01:55
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