A "simplificação"
Volfrâmio é um romance de Aquilino Ribeiro. Comecei a lê-lo há uns dias. Grande parte dos livros que leio, leio-os ou na cama antes de dormir ou nos transportes públicos. Mas ler Aquilino exige ter um dicionário à mão constantemente. Não que a prosa do autor não nos permita descortinar o sentido da sua riqueza lexical mas o prazer do dicionário é algo que tento a todo o custo recuperar. Muitas das palavras usadas por Aquilino perderam-se no uso, emprobecendo-nos, e tende-se a disfarçar isso com a desculpa gasta de catalogar de regionalismos as palavras que desconhecemos. Basta fazer a experiência de pegar num dicionário de língua portuguesa e consultá-lo, as palavras usadas pelo escritor estão lá na sua grande maioria. As palavras que perdemos, que esquecemos, são uma perda de memória e uma perda de inteligência. Orwell no romance 1984 ilustra bem essa perda com a tentativa de simplificação (atrofio e castração) da língua por parte do “regime” como forma de controlo sobre as pessoas, como a derradeira censura, a derradeira anestesia para a apatia das gentes. O nosso mundo caminha para isso mesmo, basta ler os jornais e folhear os temas políticos para se perceber. O primeiro sinal dessa simplificação é apresentar tudo como dicotómico, ou se está de acordo com tudo ou estamos contra tudo, ou se é de esquerda ou de direita, ou sim ou não, como se para um problema só existisse uma solução ou como se a reflexão se baseasse apenas entre verdades e falsidades absolutas. E mais, o mal pior é que esse tipo de “apresentação” do mundo não reflecte sequer uma forte e clara posição de um “sim” ou de um “não” baseada em convicções ou certezas, essa dicotomia é sobre nada, é vazia e limitativa, gerando ainda mais apatia e marasmo.
lipemarujo
escrito por Filipe a 11:48 da manhã
0 Pós e Contas:
Enviar um comentário
<< Home