Rescaldo do dia
Hoje passeou-se pelas ruas de Lisboa uma MNI (massa não identificada) composta por, segundo a SIC, aproximadamente 90 000 "trabalhadores".
Assisti a um pouco da manifestação, um pouco por ter sido obrigado a tal (enquanto aguardava pelo autocarro que me levasse a casa) e um pouco por curiosidade. Gostava de saber o que afinal se pretendia. Aqui vão as minhas conclusões:
P.S.: Parece que durante a manifestação foi berrada uma moção através de um altifalante. O proponente usou a máxima "quem cala consente" para dizer que Portugal (representado por aquelas pessoas) reprovava a reforma da admistração pública. Isto sim, é democracia representativa!
Assisti a um pouco da manifestação, um pouco por ter sido obrigado a tal (enquanto aguardava pelo autocarro que me levasse a casa) e um pouco por curiosidade. Gostava de saber o que afinal se pretendia. Aqui vão as minhas conclusões:
- De acordo com os slogans dos manifestantes, Portugal é dirigido por "Mentirosos" e "Aldrabões". Dada a ausência dos motivos no cortejo, parti do pressuposto que todos soubessem o porquê das acusações.
- Os "Ricos estão mais ricos e os pobres a perder". Apesar de, por momentos, ter pensado que estava a assistir a um episódio da Floribela, reflecti um pouco. Se o dinheiro não cresce das árvores mas o trabalho gera dinheiro, perguntei-me como queriam enriquecer os manifestantes.
- "O povo unido jamais será vencido". Sempre na moda, esta bela máxima. Mas fiquei sem perceber quem é o povo.
- Após algum tempo o sol apareceu. Um cartaz de uma organização chamada STAL afirma que a manifestação é "A favor do emprego!". Fiquei com um pouco de receio que surgissem conflitos com uma possível contra-manifestação que se afirmasse contra o emprego.
- A mesma STAL (talvez o grupo mais esclarecido) mostrava a intenção de iniciar conversações. As reinvidicações eram desconhecidas. Mas julgo que era com os aldrabões. Acho que estão bem encaminhados. 90 000 pessoas na rua a protestar é uma boa maneira de conversar.
P.S.: Parece que durante a manifestação foi berrada uma moção através de um altifalante. O proponente usou a máxima "quem cala consente" para dizer que Portugal (representado por aquelas pessoas) reprovava a reforma da admistração pública. Isto sim, é democracia representativa!
escrito por Anónimo a 9:51 da tarde
14 Pós e Contas:
Bem meu caro Prometeu,
Este discurso sobre os privilégios dos "workers" faz lembrar música minimalista, sem no entanto possuir o lado encantatório desta... Depreendo que a chave do nosso destino esteja nas mãos daquela sociedade civil que se dá a conhecer por "Compromisso Portugal", fórmula salazarenta, pois que impregnada de consenso. Daquele velho e bolorento consenso. Pena não haver hoje um Eça para retratar essa gente de compromissos, tão incensada por estes lados.
"Mentirosos" e "Aldrabões". Dada a ausência dos motivos no cortejo, parti do pressuposto que todos soubessem o porquê das acusações."
Durante a campanha eleitoral, Sócrates disse que não ia aumentar os impostos e, depois de empossado primeiro-ministro, aumentou a carga fiscal sobre os portugueses.
Os "Ricos estão mais ricos e os pobres a perder"(o resto deste parágrafo nem merece comentário).
Em Portugal, as desigualdades sociais têm aumentado, sendo a este respeito o nosso país o que de mais desequilíbrios padece, no contexto da União Europeia.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Coeficiente_de_Gini
Ah! E "o povo unido jamais será vencido" é refrão de uma canção de Sergio Ortega, inspirada na vitória de Salvador Allende.
http://www.trovadores.net/index.php?MH=nc.php?NM=540
13/10/06 14:56
Queria ter vivido numa época diferente... Numa época em que houvesse solidariedade e onde os "ricos ficarem mais ricos e os pobres mais pobres" fosse algo negativo.
Ah, e 90 000 pessoas na rua é, de facto, uma manifestação, não um debate.
A isto chama-se Liberdade!
13/10/06 19:32
Presumo que te refiras a casos como de subsídios de desemprego.
Quanto a isto, que fique claro que há situações de facto abusivas! Mas compete-nos a nós mostrar reprovação e a não continuar a utilizar o "método do mais esperto" para aproveitar o subsídio de desemprego e fazer uns "biscates", comentar com os amigos o quanto conseguimos não declarar ou mesmo ficar em casa, como tu dizes, sem querer trabalhar.
Que isto não signifique, porém, o fim do subsídio de desemprego. Que este seja um garante de sobrevivência. Porque tu, talvez melhor do que eu, sabes que, em algumas zonas, uma fábrica garante emprego a (quase) todos os que aí habitam. E tu, provavelmente melhor do que eu, sabes que não é possível empregar rapidamente toda a gente - nomeadamente se falarmos de pessoas que já não são jovens.
Quanto a este assunto, é esta a minha opinião, mas...
O que tem isto a ver com a manifestação?
13/10/06 23:14
Então defendes a esmola. Eu defendo a vida em sociedade.
14/10/06 12:00
Carolina, ser-se assaltado na rua é viver em sociedade.
Com o Estado passa-se exactamente a mesma coisa, sou coagida a pagar o que não quero. Pior, não posso levar o caso à policia e/ou aos tribunais...
Porque repara bem, grande parte dos impostos que pagamos [e nem quero falar no sistema de segurança social em portugal], servem acima de tudo para pagar a administração, a máquina do estado é muito pesada, e os serviços que são prestados são muito mediocres, e que no entanto tem recursos para fazer melhor ou deixar alguém fazer melhor. No entanto se eu me recusar a pagar os impostos o meu nome vai para edital, e os meus bens podem ser penhorados. Isso é abuso de poder!
A solidariedade não é esmola, mas também não e obrigação.
14/10/06 12:42
Achas que não és respondável pelos teus concidadãos? És. Todos somos. Todos somos responsáveis por proporcionar o mínimo de oportunidades a todos, independentemente da origem, classe, região ou religião a que pertencem. Se nos limitarmos a olhar para o nosso próprio umbigo, achamos legítimo que um cidadão morra às portas do hospital por não o poder pagar e achamos necessário que as crianças mais pobres tenham de trabalhar em vez de ir à escola que, por muitos defeitos que tenha, é o essencial de uma sociedade decente: pública e igualitária.
Os impostos são necessários. Aceito que alguém os anda a desperdiçar e gastar erradamente. Mas não aceito que se tente acabar com eles. Afinal, no Senegal não há impostos e, nos países nórdicos, chega-se a dar mais de 50 % do vencimento para o Estado.
E discordo completamente: A solidariedade é, de facto, uma obrigação!
14/10/06 13:28
«sociedade decente: pública e igualitária.»; «A solidariedade é, de facto, uma obrigação!»
Sem comentários...
[situação de igualdade só à partida - nunca à chegada. igualdade de tratamento perante a lei.]
14/10/06 13:38
«não és respon[s]ável pelos teus concidadãos? És.»
Como assim?? Serei eu responsável pelos crimes dos meus co-cidadãos?; serei eu responsável pelo pagamento de serviços dos meus co-cidadãos? Deveremos todos comprar os nossos produtos no mesmo supermercado - público e igualitário - e rachar a conta no final, de forma igualitária? Deveremos ter todos a mesma nota da escola, para que haja igualdade e nenhum aluno seja prejudicado? Deveremos todos dormir o mesmo nº de horas? deveremos todos ter o mesmo nº de relações sexuais? deveremos ter todos o mesmo nº de descendentes? deveremos ter todos o mesmo nº de dentes?
«independentemente da origem, classe, região ou religião a que pertencem.»
muito bem! assim sendo tens de concordar que se o individuo for rico e quiser investir o seu dinheiro e criar mais riqueza [desde que não lese 3ºs] não deve ser impedido de o fazer!
O Senegal, não é sequer uma democracia. as liberdades individuais não são respeitadas, por isso mesmo não se gera riqueza.
A Irlanda tem impostos baixos, e a taxa de desenvolvimento económico e social está à vista de todos.
A solidariedade é por definição um acto voluntarista, portanto nunca pode ser uma obrigação.
14/10/06 13:55
Nada contra os ricos. O problema é quando os pobres não são um problema nosso. E se o rico continuar a criar ainda mais riqueza, pode e deve fazê-lo. Mas achas que não tem obrigações para com o país que lhe permitiu fazê-lo?!
Lamento, mas a igualdade não se impõe: fomenta-se! Ninguém quer saber das relações sexuais que tens, mas ninguém tem o direito de se isentar das suas responsabilidades. Porque, um dia, todos precisamos de ajuda. Porque, um dia, todos havemos de precisar de solidariedade!
Andei, e ainda bem, em escolas e universidades públicas. Muitos impostos tenho ainda de pagar para repor a riqueza que o meu país me permitiu (e permite ainda) criar. Nunca desperdicei nem trocei das oportunidades que me foram dadas.
Como podes dizer que a igualdade existe à partida se não houver bom ensino público?!
Já agora, o que fazes com deficiente, órfãos, doentes, idosos...? Não são problema teu?
Ps- Repito a pergunta: o que tem isto a ver com a manifestação?
14/10/06 14:44
«sociedade decente: pública e igualitária.» ; «o rico continuar a criar ainda mais riqueza, pode e deve fazê-lo»
Carolina, decide-te.
«a igualdade não se impõe»
a solidariedade sim??
«A solidariedade é, de facto, uma obrigação!»
Não existe igualdade à partida se não existir bom ensino [publico ou privado é indiferente]; se as leis não forem gerais e abstratas e não leis ah hoc; se as liberdades individuais não forem respeitadas; se os poderes do Estado não forem limitados e duramente controlados.
São inumeras as instituições/fundações cujo o objectivo é ajudar os mais carenciados. Instituições privadas: Fundação Caloust Gulbenkian; Fudação Bissaya Barreto; Fundação Champalimaud, só para apontar as mais referenciadas [mas pode-se fazer sempre uma pesquisa pelo google].
«o que fazes com deficiente, órfãos, doentes, idosos»: Gulag??
Agora fora de fanatismos e cegueiras ideológicas, seria bom e perfeitamente aceitável que os recursos financeiros e humanos, que supostamente estão alocadoss para o apoio aos mais carênciados, fosse efectivo, e não gerador de desperdícios.
Aqui nunca se falou do fim de impostos [não sei onde foste buscar essa ideia]. Defendo que o Estado deve ter uma estrutura muito mais leve, e não a actual absorvedora de impostos. Defendo que o Estado não deve ser o fornecedor de determinados serviços em regime monoponista. Defenda a liberdade de escolha. Só assim poderemos ter uma sociedade mais desenvolvida e geradora de riqueza [que não é igual para todos]
14/10/06 15:55
Para que fique claro:
"a igualdade não se impõe (faltou o resto): fomenta-se!"...
...através de um sociedade solidária, que é uma obrigação: fiscal para o comum dos mortais, mais vasta para os com mais possibilidades (e qualidades).
Defendo um Estado próximo e com algum poder (poder para dar a todos todas as oportunidades!). Não gosto de monopólios, sejam eles pelo Estado ou por qualquer outro grande empregador. Defendo também a liberdade de escolha, como tu. Mas quem é que deve "controlar duramente" os poderes do Estado?!
"«o que fazes com deficientes, órfãos, doentes, idosos»: Gulag??" Confesso que não entendi o que os campos de concentração soviéticos (cujos explorados eram presos políticos) têm a ver com a questão. Mas imagino que um "Estado com uma estrutura muito mais leve" chegue para os socorrer...
14/10/06 18:25
Assim sendo a igualdade fomenta-se através da imposição de uma sociedade solidária.
«Não gosto de monopólios»
Aceitas então a liberalização [isto é a possibilidade de escolha] do sistema de segurança social [mesmo que parcial].
Numa Democracia Liberal, os poderes do Estado são devidamente limitados e duramente controlados, essencialmente porque os cidadãos prezam pela liberdade individual, pelo reduzido intervencionismo do Estado. Isso consegue-se através de uma lei fundadora [constituição] - ou até mesmo através do costume, a Inglaterra não tem uma constituição escrita. No entanto tem uma enorme tradição na limitação de poderes do Poder Soberano (veja-se por exemplo a Magna Carta; ou a Bill of Rights) que defina um grau limitado de acção do Estado. O controlo dos poderes do estado, passam pelos diversos ogão de soberania, e pela acção politica [e sublinho que politica está ligada à causa pública, e não à questão partidária] dos indivíduis. Que se podem organizar em associações, ou até mesmo de forma mais informal, denunciando os mais variados abusos de poder por parte do estado.
«Mas imagino que um "Estado com uma estrutura muito mais leve" chegue para os socorrer» sim! conjuntamente com uma sociedade civil forte - que apenas é possível com um Estado mais leve.
14/10/06 19:44
“Como assim?? Serei eu responsável pelos crimes dos meus co-cidadãos?; serei eu responsável pelo pagamento de serviços dos meus co-cidadãos? Deveremos todos comprar os nossos produtos no mesmo supermercado - público e igualitário - e rachar a conta no final, de forma igualitária? Deveremos ter todos a mesma nota da escola, para que haja igualdade e nenhum aluno seja prejudicado? Deveremos todos dormir o mesmo nº de horas? deveremos todos ter o mesmo nº de relações sexuais? deveremos ter todos o mesmo nº de descendentes? deveremos ter todos o mesmo nº de dentes?”
aLaíde,
Acho que confundes Igualdade com igualitarismo…
Quando falas na riqueza que o Estado consome, pensa um pouco em termos históricos: o que significou para muita gente a extensão dos cuidados primários nos últimos trinta anos ou a democratização do ensino (apesar dos problemas da Educação hoje, as condições de partida não eram fáceis, com a cultura não letrada a predominar em largas faixas da nossa população). Olha, eu gostava que no teu conceito de solidariedade coubessem esses serviços que o Estado prestou e a ainda presta, não obstante as ineficiências que existem e que não nego a sua importância. Mas pareces resumir-te a um criticismo a-histórico, género, vamos liberalizar a todo o vapor para os ricos empreendedores poderem criar riqueza, que os pobres coitados têm ido castrados pelos Estado (mesmo que proporcional/ paguem aqui muito menos imposto do que noutras paragens da Europa e talvez até nos EUA). Uma política de terra queimada, é por as reformas serem encaradas com esse espírito que depois têm resultados pífios. Bem, e lembra-te das tradicionais funções do Estado…Ou gostarias de viver na Somália onde não há Estado e serem as milícias islamistas ou os senhores da guerra a cuidarem da tua segurança ou a cobrarem-te impostos?
Ah foram as transferências sociais que em muitos países da Europa reduziram a pobreza. Eu, mesmo admitindo que há desperdício, prefiro-as à caridade cristã do sec xix.
“O Senegal, não é sequer uma democracia. as liberdades individuais não são respeitadas, por isso mesmo não se gera riqueza. “
Desde quando a democracia explica a riqueza das nações? O Japão fez a industrialização na segunda metade do sec xix e não era uma democracia. O Chile e a Coreia, no sec XX, aumentaram a sua riqueza sob regimes militares. Simgapura não é própria/ um exemplo de democracia…
14/10/06 20:16
Onde a manif última nos levou.
Prometeu,
Sobre o coeficiente de Gini, o teu exemplo é meramente académico: experimenta dispor, graficamente, os países em função das variáveis igualdade (traduzida numérica/ por este coeficiente) e taxa de pobreza: irás obter uma correlação inversamente proporcional. A título de exemplo, países como o Japão, a Suécia, a Suíça ou o Canadá terão valores elevados no aludido coeficiente (próximos de 1) e, inversamente, países da América latina ou de Africa revelarão elevadas taxas de pobreza altas e um modesto valor no índice de Gini. É claro que não há regra sem excepção, é a vida no campo das ciências sociais (apesar do fascínio que os economistas exercem na sociedade de hoje seja comparável aos dos demiurgos de ontem; compreende-se, eles têm de ponderar uma multiplicidade de interacções humanas…)
Em suma, níveis altos de igualdade não aparecem andar assim tão desavindos da desenvolvimento e competitividade económica, se considerarmos aqueles países. E uma certa igualdade ao nível da distribuição dos rendimentos repercute-se positivamente na estabilidade e qualidade da democracia. Estou a citar de cor Ralph Darendhorf, insuspeito de socialismo.
Um equívoco em que cais, Prometeu, é o de pensares que a riqueza é produto do número de horas de trabalho. Se assim fosse a Europa já tinha soçobrado pois que, desde as últimas décadas dos séc XIX, reduziu a jornada de trabalho… Esqueceste dessa coisa mágica chamada produtividade e que depende de múltiplos factores.
“Especialmente quando me obrigam a pagar com o meu trabalho a vontade dos outros de não quererem trabalhar. Fazes um juízo de valor, meu caro, se é a isso que se resume o teu liberalismo… Do alto do teu juízo, resumes as motivações de milhares de indivíduos que entenderam manifestar descontentamento a um único propósito: “não querem trabalhar!”, velha máxima.
14/10/06 20:19
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