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quarta-feira, agosto 09, 2006

Estado e Cultura [na Dia D]

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Blogger aL Quis dizer...

Estado e Cultura
Por Adolfo Mesquita Nunes

As chamadas elites culturais acordaram sobressaltadas para o anúncio de que o Rivoli iria passar a ser gerido por privados. É o que acontece quando se misturam as palavras "cultura" e "privados" numa mesma frase. Diz o politicamente correcto que deve ser o Estado a garantir a existência de uma oferta cultural diversificada, de qualidade, vocacionada também para as elites e que não viva rendida às leis do mercado. Por oposição, a oferta cultural dependente dos privados simboliza a popularização da cultura, a sua subserviência ao lucro e à marginalização das elites. Se me permitem a ousadia, continuo sem perceber de que forma o Estado se superioriza à sociedade na prestação da oferta cultural.

Num país em que o Estado chama a si a tarefa de financiar a cultura, cria-se à partida uma divisão indesejável: os que recebem o financiamento do Estado e os que ficam de fora. Os que recebem, estarão sempre numa situação de vantagem. Assim, o financiamento estadual passa a ser um produto apetecido, pelo qual os operadores competem sob pena de marginalizarem as possibilidades de sucesso. Pois se o Estado arrecada mais impostos para financiara cultura, ficam os privados desprovidos de incentivo e disponibilidade para o fazerem...

Ora, os subsídios do Estado nunca serão transparentes, porque são subjectivos. É por isso que, a cada vaga de subsídios, metade das elites culturais reclama falta de isenção. Quem escolhe os projectos a financiar está sempre dependente de juízos pessoais, que não têm necessariamente que ver com corrupção mas com gostos e opções culturais.
Perante isto, os operadores culturais que quiserem ser financiados terão de acomodar as suas opções à política cultural vigente, sempre mutável e instável. Eis como a diversidade cultural se esvai e a "cultura oficial" é decretada. Em vez de termos uma oferta cultural assente no que a sociedade quer e pretende, temos uma oferta cultural baseada no que o Estado quer e defende. Por outro lado, a dependência estadual provoca uma fragilidade desnecessária aos projectos culturais de qualidade. Sempre que as orientações políticas mudam ou as recessões se adensam, os projectos culturais desaparecem ou emagrecem. Veja-se o que, esta semana, disse Maria João Pires do seu projecto de Belgais.
Porém, subsiste o receio de que a dependência do mercado diminuiria a qualidade cultural. Mas quem é que determina o que é "bom" e o que é "mau"? O único sistema democrático que conheço que pode determinar o que é "bom" e "mau" é, precisamente, o mercado. As pessoas vêem o que querem e rejeitam o que não lhes interessa. Mas isso poderá deixar de fora as elites, que não conseguem ter uma oferta cultural que as atraia.

Ora, as elites, em qualquer área de actividade, sofrem sempre por quererem algo que a mediania ignora. Esse é o custo de ser elite e esse deve ser suportado pelas próprias elites e não pelos restantes. Se eu, desportista nato e titular do direito de acesso ao desporto e à educação física, apenas quiser praticar golf ou ski, devo ser eu ou o Estado a financiar aquela prática? Se eu, titular do direito à habitação, quiser uma casa ampla, arejada, com todas as comodidades, devo ser eu ou o Estado a financiar tal aquisição?

E basta dar uma vista de olhos à realidade para perceber como as elites são, também elas, um mercado importante. Nem todos os produtos se querem associar ao popular e vulgar. Alguns jornais não preferem fazer-se acompanhar de CD de música clássica em vez dos últimos êxitos dos Anjos, por exemplo? Também aqui, no campo cultural, as elites encontram um conjunto de realidades à sua disposição que podem contribuir para o financiamento das suas actividades. Mas também aqui as elites teriam de funcionar como escrutínio da oferta, seleccionando o que importa e rejeitando tudo o que é manifestação apressada e transformada em evento cultural.

Por fim, resiste a ideia de que o Estado tem de garantir o acesso à cultura. Essa tarefa é virtualmente impossível. Quem? Todos? E a que cultura? Escolhida por quem? Paga por quem? Seria antes preferível concluir que o Estado deveria garantir, isso sim, que não existem barreiras à livre criação e fruição cultural. Ora, o Estado é, precisamente, uma das maiores barreiras a essas liberdades no momento em que escolhe e decide o que deve ser visto e como deve ser visto.

Adolfo Mesquita Nunes é autor dos blogues A Arte da Fuga (http://www.aartedafuga.blogspot.com/) e O Insurgente (http://oinsurgente.blogspot.com/ )

9/8/06 23:14

 
Blogger AMN Quis dizer...

Alaíde, já respondi :)

10/8/06 12:32

 

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