Estado e Cultura [na Dia D]
No passado dia 7 foi publicado na revista Dia D um artigo de opinião do Adolfo Mesquita Nunes , sobre o Estado e cultura [link indisponível] no qual pretende refutar a ideia de que sem o financiamento do Estado a cultura desmorona-se.
O texto começa por ter como pano de fundo a recente decisão da CMP de privatizar a gestão do Rivoli - Teatro Municipal. Nesse aspecto concordo com o Adolfo, relativamente ao histerismo que se levantou. No entanto fico sem perceber porque não foi aproveitado este exemplo para se demonstrar que pode haver [boa] gestão privada de um bem comum, desde que haja uma espécie de caderno de encargos que obrigue a determinados parâmetros de diversidade e qualidade da programação [esta é a minha opinião, talvez não seja a do Adolfo]. Isto é obviamente uma limitação à liberdade de quem estaria a fazer a gestão do equipamento, mas eu penso ser necessária, pois não creio que possa ser aceitável que o Rivoli - Teatro Municipal se torne por exemplo num centro de danças "exóticas", por mais que o mercado o deseje ou permita.
Depois, afirma o Adolfo que «Diz o politicamente correcto que cabe ao Estado garantir uma oferta cultural diversificada, de qualidade, vocacionada também para as elites e que não viva das leis do mercado» (sic). Primeiro, até hoje ainda não compreendi porque é que à partida o politicamente correcto tem de estar necessariamente errado, mas isso é uma questão lateral. Segundo, volto a concordar com o Adolfo que esta função é demasiado alargada. Aliás sobre aquilo que considero serem as funções do Estado na Cultura já aqui as expus.
Seguidamente a defesa da tríade: o mercado, o mercado, o mercado. Esquecendo que a Cultura - tal com a Liberdade ou a Democracia - não é um bem económico, é um Valor. «Mas quem determina o que é "bom" ou "mau"? O único sistema democrático que conheço que o pode fazer é, precisamente, o mercado» (sic). Aqui socorro-me das sábias palavras do José Barros «o valor de uma obra cultural não é aferido [apenas] pelo mercado. Shakespeare será sempre superior a Rowling por muito que as vendas da autora do Harry Potter sejam superiores.[...] as coisas [têm] um valor intrínseco». Acrescentado apenas que nem sempre a maioria faz a escolha correcta - ou seja, aquela que a longo prazo lhe trará maiores vantagens.
O Adolfo refere várias vezes as elites - eu tenho alguma dificuldade em perceber quais são as elites a que se refere. Se no início do texto depreendo que sejam agentes culturais, mais tarde essa ideia perde-se, podendo então significar aqueles mais literatos e mais próximos da "alta cultura", mas não sei - sem demonstrar o papel essencial que estas têm na evolução da sociedade. Obviamente que não considero que todas as "vontades" as elites devam ser pagas por todos. Terá de haver ponderação. No caso da Cultura é necessária a cooperação da sociedade - do conjunto dos indivíduos, do mercado - das elites e do Estado, para que o maior número de pessoas tenha acesso a objectos culturais e artísticos.
Mais à frente o Adolfo compara o incomparável [cultura, desporto, habitação], ignorando que os bens [aqui falamos de objectos artísticos e já não de cultura], são de natureza díspar e portanto dificilmente comparáveis.
Por fim, quero apenas realçar que também eu defendo que uma sociedade mais livre em que o Estado apenas intervenha onde deve intervir é uma sociedade melhor, onde cada um poderá fazer as opções que achar melhores. Não posso é ignorar é que em determinadas questões, como é o caso da Cultura e da promoção cultural de cada indivíduo e da sociedade, a cedência das liberdades individuais em prol de objectivo mais alargado que a esfera individual, trará melhorias superiores às que aconteceriam se não houvesse essa cedência.
Aliás, para que a Cultura se autonomize do Estado, para que a sociedade se substitua ao Estado é necessário que essa mesma sociedade disponha de conhecimento e de recursos para o fazer. Portanto a saída do Estado da Cultura deverá ser feita, com certeza, mas não de forma total, pelo menos não sempre e em qualquer circunstância. Não se ensina uma criança a andar largando-a num qualquer caminho. É importante perceber que ela já tem a força muscular, o equilíbrio, e a pouco e pouco à medida que ela vá ganhando pontos de apoio e referências, largá-la de forma que ela se torne autónoma e percorra os diferentes caminhos que escolher.
nota: o texto original publicado na Dia D está disponível na caixa de comentários a este post
O texto começa por ter como pano de fundo a recente decisão da CMP de privatizar a gestão do Rivoli - Teatro Municipal. Nesse aspecto concordo com o Adolfo, relativamente ao histerismo que se levantou. No entanto fico sem perceber porque não foi aproveitado este exemplo para se demonstrar que pode haver [boa] gestão privada de um bem comum, desde que haja uma espécie de caderno de encargos que obrigue a determinados parâmetros de diversidade e qualidade da programação [esta é a minha opinião, talvez não seja a do Adolfo]. Isto é obviamente uma limitação à liberdade de quem estaria a fazer a gestão do equipamento, mas eu penso ser necessária, pois não creio que possa ser aceitável que o Rivoli - Teatro Municipal se torne por exemplo num centro de danças "exóticas", por mais que o mercado o deseje ou permita.
Depois, afirma o Adolfo que «Diz o politicamente correcto que cabe ao Estado garantir uma oferta cultural diversificada, de qualidade, vocacionada também para as elites e que não viva das leis do mercado» (sic). Primeiro, até hoje ainda não compreendi porque é que à partida o politicamente correcto tem de estar necessariamente errado, mas isso é uma questão lateral. Segundo, volto a concordar com o Adolfo que esta função é demasiado alargada. Aliás sobre aquilo que considero serem as funções do Estado na Cultura já aqui as expus.
Seguidamente a defesa da tríade: o mercado, o mercado, o mercado. Esquecendo que a Cultura - tal com a Liberdade ou a Democracia - não é um bem económico, é um Valor. «Mas quem determina o que é "bom" ou "mau"? O único sistema democrático que conheço que o pode fazer é, precisamente, o mercado» (sic). Aqui socorro-me das sábias palavras do José Barros «o valor de uma obra cultural não é aferido [apenas] pelo mercado. Shakespeare será sempre superior a Rowling por muito que as vendas da autora do Harry Potter sejam superiores.[...] as coisas [têm] um valor intrínseco». Acrescentado apenas que nem sempre a maioria faz a escolha correcta - ou seja, aquela que a longo prazo lhe trará maiores vantagens.
O Adolfo refere várias vezes as elites - eu tenho alguma dificuldade em perceber quais são as elites a que se refere. Se no início do texto depreendo que sejam agentes culturais, mais tarde essa ideia perde-se, podendo então significar aqueles mais literatos e mais próximos da "alta cultura", mas não sei - sem demonstrar o papel essencial que estas têm na evolução da sociedade. Obviamente que não considero que todas as "vontades" as elites devam ser pagas por todos. Terá de haver ponderação. No caso da Cultura é necessária a cooperação da sociedade - do conjunto dos indivíduos, do mercado - das elites e do Estado, para que o maior número de pessoas tenha acesso a objectos culturais e artísticos.
Mais à frente o Adolfo compara o incomparável [cultura, desporto, habitação], ignorando que os bens [aqui falamos de objectos artísticos e já não de cultura], são de natureza díspar e portanto dificilmente comparáveis.
Por fim, quero apenas realçar que também eu defendo que uma sociedade mais livre em que o Estado apenas intervenha onde deve intervir é uma sociedade melhor, onde cada um poderá fazer as opções que achar melhores. Não posso é ignorar é que em determinadas questões, como é o caso da Cultura e da promoção cultural de cada indivíduo e da sociedade, a cedência das liberdades individuais em prol de objectivo mais alargado que a esfera individual, trará melhorias superiores às que aconteceriam se não houvesse essa cedência.
Aliás, para que a Cultura se autonomize do Estado, para que a sociedade se substitua ao Estado é necessário que essa mesma sociedade disponha de conhecimento e de recursos para o fazer. Portanto a saída do Estado da Cultura deverá ser feita, com certeza, mas não de forma total, pelo menos não sempre e em qualquer circunstância. Não se ensina uma criança a andar largando-a num qualquer caminho. É importante perceber que ela já tem a força muscular, o equilíbrio, e a pouco e pouco à medida que ela vá ganhando pontos de apoio e referências, largá-la de forma que ela se torne autónoma e percorra os diferentes caminhos que escolher.
nota: o texto original publicado na Dia D está disponível na caixa de comentários a este post
[aL]
escrito por aL a 3:26 da tarde
2 Pós e Contas:
Estado e Cultura
Por Adolfo Mesquita Nunes
As chamadas elites culturais acordaram sobressaltadas para o anúncio de que o Rivoli iria passar a ser gerido por privados. É o que acontece quando se misturam as palavras "cultura" e "privados" numa mesma frase. Diz o politicamente correcto que deve ser o Estado a garantir a existência de uma oferta cultural diversificada, de qualidade, vocacionada também para as elites e que não viva rendida às leis do mercado. Por oposição, a oferta cultural dependente dos privados simboliza a popularização da cultura, a sua subserviência ao lucro e à marginalização das elites. Se me permitem a ousadia, continuo sem perceber de que forma o Estado se superioriza à sociedade na prestação da oferta cultural.
Num país em que o Estado chama a si a tarefa de financiar a cultura, cria-se à partida uma divisão indesejável: os que recebem o financiamento do Estado e os que ficam de fora. Os que recebem, estarão sempre numa situação de vantagem. Assim, o financiamento estadual passa a ser um produto apetecido, pelo qual os operadores competem sob pena de marginalizarem as possibilidades de sucesso. Pois se o Estado arrecada mais impostos para financiara cultura, ficam os privados desprovidos de incentivo e disponibilidade para o fazerem...
Ora, os subsídios do Estado nunca serão transparentes, porque são subjectivos. É por isso que, a cada vaga de subsídios, metade das elites culturais reclama falta de isenção. Quem escolhe os projectos a financiar está sempre dependente de juízos pessoais, que não têm necessariamente que ver com corrupção mas com gostos e opções culturais.
Perante isto, os operadores culturais que quiserem ser financiados terão de acomodar as suas opções à política cultural vigente, sempre mutável e instável. Eis como a diversidade cultural se esvai e a "cultura oficial" é decretada. Em vez de termos uma oferta cultural assente no que a sociedade quer e pretende, temos uma oferta cultural baseada no que o Estado quer e defende. Por outro lado, a dependência estadual provoca uma fragilidade desnecessária aos projectos culturais de qualidade. Sempre que as orientações políticas mudam ou as recessões se adensam, os projectos culturais desaparecem ou emagrecem. Veja-se o que, esta semana, disse Maria João Pires do seu projecto de Belgais.
Porém, subsiste o receio de que a dependência do mercado diminuiria a qualidade cultural. Mas quem é que determina o que é "bom" e o que é "mau"? O único sistema democrático que conheço que pode determinar o que é "bom" e "mau" é, precisamente, o mercado. As pessoas vêem o que querem e rejeitam o que não lhes interessa. Mas isso poderá deixar de fora as elites, que não conseguem ter uma oferta cultural que as atraia.
Ora, as elites, em qualquer área de actividade, sofrem sempre por quererem algo que a mediania ignora. Esse é o custo de ser elite e esse deve ser suportado pelas próprias elites e não pelos restantes. Se eu, desportista nato e titular do direito de acesso ao desporto e à educação física, apenas quiser praticar golf ou ski, devo ser eu ou o Estado a financiar aquela prática? Se eu, titular do direito à habitação, quiser uma casa ampla, arejada, com todas as comodidades, devo ser eu ou o Estado a financiar tal aquisição?
E basta dar uma vista de olhos à realidade para perceber como as elites são, também elas, um mercado importante. Nem todos os produtos se querem associar ao popular e vulgar. Alguns jornais não preferem fazer-se acompanhar de CD de música clássica em vez dos últimos êxitos dos Anjos, por exemplo? Também aqui, no campo cultural, as elites encontram um conjunto de realidades à sua disposição que podem contribuir para o financiamento das suas actividades. Mas também aqui as elites teriam de funcionar como escrutínio da oferta, seleccionando o que importa e rejeitando tudo o que é manifestação apressada e transformada em evento cultural.
Por fim, resiste a ideia de que o Estado tem de garantir o acesso à cultura. Essa tarefa é virtualmente impossível. Quem? Todos? E a que cultura? Escolhida por quem? Paga por quem? Seria antes preferível concluir que o Estado deveria garantir, isso sim, que não existem barreiras à livre criação e fruição cultural. Ora, o Estado é, precisamente, uma das maiores barreiras a essas liberdades no momento em que escolhe e decide o que deve ser visto e como deve ser visto.
Adolfo Mesquita Nunes é autor dos blogues A Arte da Fuga (http://www.aartedafuga.blogspot.com/) e O Insurgente (http://oinsurgente.blogspot.com/ )
9/8/06 23:14
Alaíde, já respondi :)
10/8/06 12:32
Enviar um comentário
<< Home