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sexta-feira, agosto 11, 2006

Estado e Cultura [ou uma questão estética]

1 Pós e Contas:

Blogger RAF Quis dizer...

Repito aqui parte do comentário que fiz num post sobre a mesma matéria no A Arte da Fuga.

Concordo quando se afirma que o facto de uma dada produção cultural ou artística não ser sufragada pelos mecanismos normais da troca não lhe retira valor: a estética e a valia cultural podem, num dado momento, não interessar sequer à comunidade. Pense-se em Van Gogh, que morreu pobre.

O problema está em saber se uma comunidade deve ser obrigada a pagar por algo que não quer. O problema da cultura subsididada é, desde logo, esse. Quando falas numa intervenção do Estado "supletiva", significa o quê? Devemos todos pagar pelo que ninguém quer ou está disposto a financiar voluntariamente? Esse é um dos problemas fundamentais do Estatismo: a tentativa de socorrer a tudo aquilo que é "supletivo", que o mercado e as pessoas não estão dipostas a assegurar voluntariamente (e, portanto, financiam à força, quer queiram, quer não).

Depois, importa saber se o subsídio incentiva à verdadeira criação cultural. Tenho as maiores dúvidas. Veja-se, por exemplo, duas realidades distintas em Portugal: a arte contemporânea - pouco subsidiada - e o cinema - altamente subsidiado. Onde se produz mais e com valor? Conheço dezenas de pintores e escultores contemporâneos portugueses que produzem com enorme qualidade e que, apesar de terem grande dificuldade em vender as suas obras, mesmo a preços razoáveis, não deixam de criar, com qualidade e sentido estético. A arte contemporânea existe em Portugal. No cinema, não fazemos nada em condições. Ou o que se faz, interessa a muito poucos. Pode dizer-se que o cinema português é praticamente inexistente.

Para mim, se um dado país é um "atraso de vida" em matéria cultural, não há mecenas em quantidade, e as pessoas pura e simplesmente não só não querem adquirir bens culturais como não há quem voluntariamente os queira apoiar, então esse país deve aceitar a sua triste realidade. E não coagir quem não quer a pagar algo que não valoriza - embora possa ter um elevado valor intrínseco - atribuindo subsídios e apoios que têm, ainda, um efeito perverso: quem os recebe sabe bem que ninguém vai querer tutelar o que se produz. por desinteresse; assim se criam entourages e cliques culturais, que pouco fazem e muito consomem.

Já não falo, no caso português, no efeito que a subsidiodependência cria, não só nos produtores, mas também nos públicos potenciais. No Porto e em Lisboa muitas pessoas habituaram-se a consumir cultura do "bilhete oferecido" ou da entrada grátis, e não estão dispostas a pagar por algo que conseguem, com frequência, de graça ou a baixo custo. Não se protege a cultura dessa forma, e não é assim que se cria valor e incentiva a criação. Pagam todos pelos gostos e interesses de uma minoria, em geral, das elites; o que faz também pouco sentido.

RAF

14/8/06 17:53

 

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