Estado e Cultura [na Dia D] II
Adolfo, por também compreender que o absolutismo em determinadas afirmações pode estar errado é que eu adicionei à citação original [a frase não é minha, eu apenas demonstrei concordância, com uma ressalva] um “apenas”, de forma a salvaguardar a minha opinião que não é assim tão assertiva e impositiva como o original. Uma vez que penso que o mercado poderá ser também um dos parâmetros de aferição da qualidade do objecto artístico, mas nunca deverá ser o único nessa apreciação. Uma pessoa atenta aos fenómenos culturais deverá ser muito ponderada nas suas catalogações, mas de forma alguma deverá evitá-las. Isso é um relativismo absurdo, um não comprometimento de opinião estética, é "um vestido preto com o qual nunca me comprometo".
«O que hoje é desprezado pode vir a revelar-se uma obra prima décadas ou séculos depois», eu não diria que se “revela”, mas sim que é “considerado”, pois um objecto artístico em si não tem “valor artístico” esse é dado por aqueles que usufruem [de forma directa ou indirecta] desse objecto. De qualquer das formas esta tua afirmação não refuta o que afirmei, talvez até reforce um pouco a minha ideia de que «nem sempre a maioria faz a escolha correcta - ou seja, aquela que a longo prazo lhe trará maiores vantagens.»
Perguntas-me porque é que eu acho que é diferente o direito de acesso à cultura do acesso ao desporto ou à habitação. Relembro-te a minha definição de Cultura. É isso que faz com que possamos estar a ter esta conversa neste momento, ou que eu me sinta culturalmente próxima do meu amigo Michiel que vive em Telavive, ou que esteja a uma distância imensurável de alguém que viva em Miranda do Douro, por mais auto-estradas que se construam. As referências culturais, a Cultura ligam-me mais facilmente a Israel do que a uma cidade perdida em Trás-os-Montes. Ignorar esse facto é ignorar que o indivíduo é também Cultura [o conjunto de valores, de referências políticas, sociais, estéticas, artísticas], é negar a existência de uma identidade cultural que faz com que as relações de cooperação se estabeleçam. E nesse aspecto a Cultura é diferente [e superior, porque é um valor e não um bem] do desporto e da habitação.
Tal como tu, também não encaro de animo leve a ideia que o Estado deve ser dirigista e decidir o que deve ser produzido, quando e onde. Não sou muito favorável ao apoio à produção de objectos artísticos «Este compromisso [de garantir o acesso dos cidadãos à Cultura] é apenas e exclusivamente para com os cidadãos e não para com os criadores/artistas.». O Estado deverá criar as condições necessárias para que o maior número de cidadãos possa usufruir de objectos artísticos. Isso poderá passar pela criação de infra-estruturas capazes de receber as mais diferentes manifestações artísticas. Essas infra-estruturas poderão, obviamente, ter uma gestão privada, por exemplo, mas deverá estar estabelecido protocolarmente a necessidade de uma programação que prime pela diversidade. E quando necessário poderá mesmo suprimir algumas falhas que possam existir.
Volto a reiterar «No caso da Cultura é necessária a cooperação da sociedade - do conjunto dos indivíduos, do mercado - das elites e do Estado, para que o maior número de pessoas tenha acesso a objectos culturais e artísticos.», porque só assim teremos uma sociedade compostas por indivíduos mais conscientes e naturalmente mais livres [mesmo que para tal seja necessário abdicar de alguma liberdade e aceitar algum intervencionismo do Estado]
[aL]
escrito por aL a 2:33 da manhã
2 Pós e Contas:
«nem sempre a maioria faz a escolha correcta - ou seja, aquela que a longo prazo lhe trará maiores vantagens.»
É interessante que este é um argumento a favor das minorias - porque podem estar "certas" quando as maiorias "erram" - daí que seja errado que haja uma definição centralizada do que é bom ou mau...
22/8/06 13:40
a questão aqui, antónio, não é a centralização da definição do que é bom ou mau [embora o Adolfo defenda que essa definição deve estar centralizada no «único sistema democrático que conheço que pode determinar o que é "bom" e "mau" é, precisamente, o mercado» como se o mercado fosse democrático... mas não é por aí], mas sim na questão que o mercado não é e não pode ser o único meio de aferição do que é bom ou mau.
22/8/06 23:02
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