Estado e Cultura [alegações finais, ou talvez não]
Adolfo, quando falas «das lendas e tradições que a envolvem [à gastronomia]. Dos costumes e dos hábitos que fazem gerações e se transmitem para as seguintes. [...] de religião e de fé, sentimento de pertença único para quem as vive e que as molda como pessoas.» compreenderás que já estás num outro patamar que não a gastronomia. Já estás algures na área do pensamento, da etnologia, da antropologia. Encontras-te na fronteira que separa “o que somos” e “quem somos”. Por si só, a gastronomia não altera “quem nós somos”.
«[H]á coisas que te mudam a ti ou que fazem crescer como pessoa e como ser humano e que a mim me deixam indiferente. É aqui que a cultura é um acto profundamente pessoal.» mas Adolfo tu aqui não falas de Cultura, mas sim de fruição de objectos culturais e/ou artísticos, e aí sim, concordo contigo que pode ser um acto pessoal e individual. «É evidente que para a percepção cultural, seja ela qual for, o Homem convoca conhecimentos anteriores, as tais referências estéticas culturais, sociais. E quando não o faz é porque está num acto de criação genial ou autodidacta.» Adolfo, não compreendo bem a ligação destas duas afirmações. Pois se numa falas de percepção relacionada com quem “olha” a criação, na outra referes-te à criação em si, portanto segunda nunca será consequência da primeira.
Entretanto, as referências [culturais, estéticas] naturalmente não se perdem, pois elas pertencem ao passado. Confesso que o meu maior problema é o hiato que poderá acontecer se o Estado se retirar totalmente [de qualquer das formas, a possibilidade da retirada total do Estado da Cultura é algo que eu não defendo] da Cultura, e a consequente perda de [futuras] referências culturais e estéticas das gerações futuras. Neste aspecto terei de aceitar e compreender que o facto de eu individualmente poder sair prejudicada com esta intervenção do Estado, no sentido que os impostos que eu pago serão deslocados para o financiamento da Cultura, mas eu enquanto individuo enquadrado em determinada comunidade, em determinada sociedade terei ganhos que individualmente não os conseguiria obter [ou sequer que o mercado mos podesse dar].
Agora tenho de concordar que o discurso da maioria dos agentes culturais é muito dogmático no que diz respeito à intervenção do Estado na Cultura [discurso com o qual eu não concordo integralmente]. E gostaria de debater melhor esta afirmação do Raf de que «se um dado país é um "atraso de vida" em matéria cultural, não há mecenas em quantidade, e as pessoas pura e simplesmente não só não querem adquirir bens culturais como não há quem voluntariamente os queira apoiar, então esse país deve aceitar a sua triste realidade.», e a tua questão da extensão da "supletividade".
Mas se me permites daria por suspensa [temporariamente, passe a redundância] esta nossa já longa e estimulante conversa, pois preciso desesperadamente de desfrutar das minhas curtas férias, e tu terás naturalmente de te concentrar na tese [e demais obrigações]. Retomaremos o assunto lá para Setembro, concordas?
[aL]
escrito por aL a 1:51 da tarde
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