[Já] não percebo muito sobre futebol [a coisa passou-me com o fim da adolescência]. No entanto não pude deixar de ficar perplexa com a [excessiva] teorização de um jogo que é feito por corpos e não por máquinas. Um jogo onde não é possível equacionar e prever todos as acções e resultados. O futebol não é xadrez. Há no futebol uma organicidade impossível de racionalizar. O corpo tem uma inteligência e uma memória muito próprias.
É neste sentido que fico surpresa com afirmações que parecem querer reduzir cinicamente o futebol àquelas suas características mais negativas: do autoritarismo do Mister, à teatralização dos jogadores, à falta de flair play...
O futebol é também corpo. E o corpo não pensa, age.
E porque a poesia é corpo:
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz-
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será theatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grecia, Roma, Cristandade,
Europa- os quatro se vão
Para onde vae toda edade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu Dom Sebastião?
Mensagem, O Quinto Império
Fernando Pessoa
[aL]