Adolfo, a minha frase está mais relacionada com a Arte do propriamente com a Cultura. Refiro-me à forma como avaliamos [e validamos] o valor da Arte, focalizado em determinado objecto artístico. No entanto penitencio-me por alguma falta de clareza da frase. Tentarei suprimir essa imprecisão [apesar do Tiago Mendes já o ter feito]. [E atenção que aqui estou apenas a referir-me à avaliação e validação da Arte]:
«um objecto artístico em si não tem “valor artístico” esse é dado por aqueles que usufruem [de forma directa ou indirecta] desse objecto», querendo isto dizer que o objecto artístico, a própria Arte só existe após o olhar do Outro. A Arte, o valor artístico não existe per si, existe porque cada um dos indivíduos decide validar esse objecto. Isso não quer dizer que seja um acto individualista, muito pelo contrário, porque para avaliar/criticar e validar a Arte o indivíduo terá de possuir conhecimentos anteriores; referências estéticas culturais, sociais; opiniões; elementos de reflexão e de articulação, e isso é algo que não se consegue sozinho mas sim com a partilha, com o fazer parte de algo maior que a esfera individual. Caso contrário não será possível fazer essa avaliação, essa validação.
Quanto às conclusões que retiraste da minha afirmação, pouco mais posso acrescentar ao que foi exposto pelo Tiago. Apenas repetirei «Uma pessoa atenta aos fenómenos culturais deverá ser muito ponderada nas suas catalogações, mas de forma alguma deverá evitá-las.».
Por outro lado, devo dizer que nunca usufrui directamente das obras de Da Vinci – apenas tive acesso a elas de forma indirecta, reproduções; documentários; livros de arte; etc. – mas esteticamente não me interessam muito, e que me comovi até às lágrimas quando vi o retrato de Mao do Warhol – e essa comoção em nada tem a ver com proximidades políticas, muito pelo contrário. Contudo se numa situação limite apenas a obra de um dos criadores pudesse ser salva de um qualquer cataclismo, teria de ir contra as minhas opções estéticas, e “salvar” as obras de Da Vinci, simplesmente porque esta obra é/foi mais relevante em termos artísticos para a sociedade [queria dizer humanidade, mas estaria a ser excessiva. E obviamente que falo da sociedade ocidental], que é mais importante que a obra de Warhol, mesmo que eu individualmente pense o contrário.
Adolfo, eu retiro bem as consequências daquilo que escrevo. Há uma coisa que parece que eu não deixei claro, há diferenças entre “o que eu sou” e “quem eu sou”, embora em ambas podem estar inerentes questões culturais. Se eu por exemplo gosto de moelas e não suporto caracóis, estas minhas opções estão muito relacionadas com questões [gastronómicas e] culturais. Mas isso não muda “quem eu sou”, poderá mudar momentaneamente “o que eu sou”. Com Cultura [com o usufruto de Arte], eu não mudo “o que sou”, mas “quem eu sou” será definitivamente alterado. Esse “quem eu sou” altera-se porque o usufruto de Arte permite-nos alterar, moldar o que pensamos, o modo como nos relacionamos com os outros, como vemos o mundo e como nos inserimos nele. E isso não é um acto de individualismo, muito pelo contrário, é um fenómeno colectivo. É por essa razão que eu estou próxima do Michiel e não de alguém de Miranda do Douro. Mas no entanto partilho com essa pessoa outras proximidades culturais, desde a língua ao passado histórico colectivo que me pertence e também a essa pessoa. É fundamental nunca omitir que a Cultura só existe porque existe o colectivo, um indivíduo necessita do Outro para “ser quem é”, mas não precisa de ninguém para “ser o que é”.
Repito «No caso da Cultura é necessária a cooperação da sociedade - do conjunto dos indivíduos, do mercado - das elites e do Estado, para que o maior número de pessoas tenha acesso a objectos culturais e artísticos, porque só assim teremos uma sociedade composta por indivíduos mais conscientes e naturalmente mais livres [mesmo que para tal seja necessário abdicar de alguma liberdade e aceitar algum intervencionismo do Estado]». A função do Estado deve ser supletiva ao mercado, deve salvaguardar a pluralidade e diversidade artística, ela é fundamental para o pleno desenvolvimento dos seus cidadãos.
[aL]